Eu tinha dois anos de idade e gostava de imitar Michael Jackson, quando o via dançando na TV. Era louco com ele. Saí um dia com meu pai e fiquei murmurando a música do Michael e rebolando com minha mãe. "Seu filho já nasceu boiola", disse o amigo do meu pai que só parou de rir quando fomos embora. Não era homofobia, era apenas uma brincadeira de amigo, inofensiva.
Aos quatro anos comecei a dançar Ballet no Núcleo Artístico em Belo Horizonte, meus pais, irmão, avó e madrinha estavam nas apresentações e premiações, o restante da família e amigos não: "Isso não é coisa de homem. Homem que é homem não faz essas coisas de mariquinha", eles diziam. Não era homofobia, eles só estavam lutando pelos princípios machistas como lhe foram passados durante os anos.
No pré-primário a professora me colocava sempre junto das meninas, pois os meninos me batiam, e não gostavam de sentar "perto da bichinha". Não era homofobia, era apenas coisa de crinças.
Na primeira série pedi à diretora para apresentar uma peça de teatro na escola, apresentei e alguns me xingaram de "boiola, bicha" etc. Meu pai foi à escola reclamar e a professora disse a ele "tratam seu filho assim porque ele não é normal". Ela não era homofobica, apenas não gostava de crianças efeminadas, era uma questão de liberdade ideológica.
Na quarta série um colega de sala me deu um tapa na cara e gritou comigo, "veadinho, essa voz de gayzinho". Não era homofobia, ele estava apenas descontando a pressão em mim, pois seu pai era um drogado, e sua mãe vendia o próprio corpo para sustentar ela e o filho.
Na quinta série, no colégio, o diretor e a pedagoga mandaram chamar minha mãe. "Seu filho dança ballet, escreve teatro, só anda com as meninas, não joga futebol. Seu filho tá virando veado e a senhora apóia, não faz nada?". Minha mãe me defendeu, a chamaram de louca e ela me levou embora, aos prantos. Não era homofobia, era apenas a conduta da escola que não aceitavam crianças com trejeitos, mas crianças com um comportamento agressivo, e preconceituoso era bem vindo nesta escola.
Também na quinta série, participei das Olimpíadas da escola, na modalidade salto à distância. Quando você corre e pula, naturalmente seus olhos arregalam. Quando pulei, jogaram areia nos meus olhos e gritaram "pula, bichinha". Fiquei alguns dias com os olhos feridos. Não era homofobia, eles estavam apenas se divertindo as custas do gayzinho da escola, era apenas uma brincadeira, não era preconceito.
Algumas mães e irmãs de alguns dos poucos amigos homens que tinha pediram a eles, na minha frente, para se afastarem de mim, pois poderiam "ficar mal falados". Não era homofobia, elas estavam apenas preservando a imagem de seus filhos.
Entre a sexta e a oitava série, me batiam de vez em quando no final da aula, me derrubavam nas aulas de educação física, alternavam meus apelidos entre "RuleBambi" e "Bailarina", e sempre repetiam "vira homem, veado". Não era homofobia, era coisa de colegial.
Na oitava série eu queria dançar quadrilha. Nenhuma das meninas quis dançar comigo, elas riam "Ah, Ru, você tinha que ser mais homem ou dançar com homem". Fiquei triste, e a professora de educação física disse "eu danço com você". Não era homofobia, elas tinham o direito de escolher seus pares para dançar, e tinham o direito de não quererem dançar com o “viadinho”.
No segundo grau mudei de escola e lá apanhei também. A diretora me mudou de sala, os novos colegas riam, mas não me batiam. Não era homofobia, eles estavam apenas saudando o novo amigo de classe.
Quando trabalhei de garçom junto com meu pai, um dia fui sozinho. O cara que ficou de chefe no lugar do meu pai ordenou que carregasse sozinho, os botijões. “Vamos ver se ele é homem mesmo". Não era homofobia, ele estava apenas testando o um de seus funcionários.
Na faculdade, um colega de turma me agrediu fisicamente, pois eu o abracei quando o vi durante o almoço. "Tá me estranhando? O que você quer?", me disse ele. Não era homofobia, ele apenas não queria que todos soubessem e o vissem abraçando o “gayzinho”.
Formado, trabalhando em um jornal impresso em início de trajetória, meu chefe me comunicou minha demissão "meu sócio é evangélico, é de uma família tradicionalista e dono das máquinas, disse que não quer veado no jornal". Não era homofobia, ele estava apenas dando corda ao relógio da vida.
Pouco depois uma amiga me convidou para a festa da irmã, eu e nosso grupo de amigos. Todos ganharam dois convites. Eu ganhei só um. Quando pedi o segundo convite ela me disse "Ru, é uma festa de família, não fica bem se você for acompanhado". Não era homofobia, a família dela não estava acostumada com “esse tipo de gente como eu”. Eu não fiquei chateado com ela, pois sabia que se ela pudesse me daria outro convite, mas ela estava zelando por minha imagem e pela honra de sua família. Mas me doía saber que umas das pessoas que eu mais prezava tinha vergonha de mim.
Certa vez, na Savassi, região nobre de Belo Horizonte, eu estava sentado na praça com meu par, um cara passou e cuspiu em nós. "Que nojo" ele disse, fomos defendidos por um policial. Será que isso já não era homofobia?
Em 2008, escrevi sobre o preconceito contra gays e divulguei o texto no Orkut. Uma comunidade dita católica contra "homofacistas" (como alguns chamam os gays anti-homofóbicos) fez uma série de denúncias contra meu perfil ao Google, dizendo ter conteúdo impróprio, me perseguiram e ameaçaram virtualmente. Tive que criar outra conta no Orkut. Fiquei sem entender o porque meu texto que falava de uma sociedade hipócrita que dizia ser contra qualquer tipo de preconceito, mas fazia a pratica destes sem qualquer tipo de amor ao próximo, irritou membros de uma igreja de uma fé tão fervorosa como a igreja católica.
São alguns dos tristes trechos dos quais me recordo. Já fui e sou desacreditado, oprimido e violentado verbal e fisicamente por pessoas que nunca esconderam o motivo para tal: eu ser gay. Mas, não se preocupe, não vou me fazer de vítima, não vou culpar a sociedade ou algum participante bronzeado, prateado ou dourado do Big Brother Brasil. Não, não era homofobia, nunca é. Eles sempre estavam e estão apenas se expressando. Eu também estou.
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